sexta-feira, 25 de março de 2011

O cimento das bases de apoio

"Governar, no Brasil, é formar coalizões."

Certamente, você já ouviu mais de uma crítica à repartição de cargos públicos entre os partidos politicos e aliados (especialmente os “cargos de confiança”). Isso ocorre nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Trata-se de uma solução dada a um dos problemas básicos da governabilidade: a obtenção e manutenção de apoio por parte dos governantes. Mas, porque isso acontece? Que outros métodos os governos dispõem para obter apoio? Qual é o "cimento" das bases de apoio governamental?

Primeiro, precisamos entender o que é um governo de coalizão. Nas democracias contemporâneas, a atividade de governo compreende dois conjuntos de tarefas: as executivas (essencialmente, obras e serviços públicos) e as legislativas (elaborar e modificar as leis). Nos paises presidencialistas, via de regra, os chefes do executivo (prefeito, governador e presidente) são escolhidos independentemente da escolha dos representantes que elaboram as leis (deputados, senadores e vereadores). O decisivo é que as tarefas executivas acontecem nos contornos de uma legislação e, muitas vezes, é preciso modificá-la para implantar propostas. O executivo precisa do legislativo para governar.

Quando o partido do governante não tiver maioria no parlamento, precisará buscar apoio e estabelecer alianças; no jargão da Ciência Política, formar coalizões. Para que elas existam, basta a necessidade de modificar leis para governar e a inexistência de partido que eleja o chefe do executivo e a maioria dos legisladores ao mesmo tempo. Esse tem sido o caso brasileiro. Governar, no Brasil, é formar coalizões. Essa constatação ultrapassa o âmbito federal, ocorrendo nos estados e em boa parte dos municípios, especialmente quando há vários partidos com força. Em tais contextos, governos minoritários normalmente enfrentam problemas, como a história recente tem dado prova. Nacionalmente, o caso de Collor foi exemplar, redundando na queda do presidente. Mesmo em nosso estado, a gestão de Olívio Dutra foi representativa dos obstáculos impostos a uma minoria legislativa.

Seria possível dizer que a distribuição de cargos é necessária para garantir apoio e governar? Sim, mas somente até certo ponto. A necessidade de maioria está relacionada à disputa legislativa, quando o governo apresenta suas propostas na forma de projetos de lei. Pessoas pensam de maneira semelhante ou diferente sobre coisas distintas, ora concordando, ora divergindo. Com as forças políticas e os partidos ocorre o mesmo. Eventualmente, um projeto pode receber o apoio sincero de uma maioria. Mas isso não é usual; a regra é o desacordo. E mais: para que o governo atue com regularidade, o apoio deve ser sistemático. Nessas condições, é preciso negociar. O apoio político será oferecido por partidos, grupos e parlamentares na medida em que estes tenham a expectativa de obter ganhos para suas ambições políticas. Simplificando a Ciência Política, existem três objetivos básicos da atuação do político profissional: implantar políticas, angariar votos e obter cargos. É por meio do voto que se alcança o governo e se pode implantar uma política. É implantando boas políticas que se continua a obter votos e permanecer no cargo. É através dos cargos que se pode executar a política para angarias votos.

Na busca de apoio, o executivo dispõe de meios para implantar políticas ou oferecer cargos. Assim, pode negociar os termos de sua proposta para agradar grupos de apoiadores ou mesmo executar políticas específicas, sendo o caso mais exemplar a distribuição de recursos e a realização de obras através de emendas parlamentares. Finalmente, pode designar apoiadores de partidos aliados para ocupar cargos e funções de livre nomeação. Ou seja, a distribuição de cargos é uma ferramenta importante para a obtenção de apoio, mas não é a única. Embora nada obrigue sua prática, não se pode esperar que ela venha a terminar tão cedo, mesmo com boas “reformas políticas”, uma vez que tem se mostrado um dos melhores "cimentos" para a manutenção de coalizões. E sempre é bom lembrar que cada grupo tem suas próprias ambições políticas, suas ideias e suas particulares perspectivas de conquistar posições de poder. Como os fatos políticos recentes de nossos pagos parecem atestar, as alianças que um dia ajudaram podem vir a atrapalhar; adversários de hoje podem se tornar aliados de amanhã.

Porém, o "cimento" tem seu preço; nenhum desses métodos está isento de custos. A distribuição de cargos, a repartição de recursos e a concessão de políticas têm implicações para a representação e para a eficiência governativa. Por um lado, ao se negociarem os termos das propostas, os governos acabam alinhando seus projetos a uma maioria, o que pode favorecer a busca de consensos. Ao inverso, negociações demoradas são dispendiosas e prejudicam a eficiência dos governos. Na medida em que a distribuição de cargos e recursos desloca a obtenção de apoio do debate de propostas, tais métodos deixam em segundo plano a posição dos grupos em torno das políticas. Apesar disso tornar algumas decisões mais rápidas, a representação pode restar prejudicada. Sem contar que os custos de tais operações põem em duvida a própria eficiência governativa. Isso porque, quando se trata de emendas parlamentares ou de cargos públicos, tais custos são valores financeiros reais, dinheiro do orçamento público, financiado pela própria sociedade. Além do que, em muitos casos, as “nomeações políticas” acabam levando pessoas sem a competência técnica necessária ao exercício das funções essenciais para a população.

Independente do material que se utilize para "levantar a obra", sempre há um preço a pagar, seja no tempo, nos projetos ou em dinheiro mesmo. Ao menos seria importante que a construção fosse bem realizada e seu resultado bem acabado, sem buracos, rachaduras ou com riscos de cair.

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Artigo publicado na Folha Espumosense em 19/03/2011.


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