sexta-feira, 20 de maio de 2011

“Técnicos” ou “políticos”? uma questão mal colocada

A distribuição de cargos públicos entre aliados políticos é uma das formas mais efetivas de “cimentar” as bases de apoio e obter respaldo no legislativo, mas também tem um preço. A multiplicação dos cargos de livre nomeação ao mesmo tempo em que permite a formação de alianças e a orientação das políticas públicas de acordo com o perfil do governante, traz o risco do ingresso na Administração Pública de pessoal sem a competência necessária para o exercício das atribuições e responsabilidades específicas de cada cargo de acordo com cada área. Surge uma recorrente questão: quem deve ocupar esses cargos, técnicos ou políticos?

Trata-se de uma questão mal colocada, uma falsa alternativa. No fundo, precisamos dos dois, técnicos e políticos, cada um em seu lugar e realizando suas funções próprias. Embora a profissionalização da Administração Pública seja essencial, sustentar que todos os cargos devem ser ocupados apenas por “técnicos” não somente é algo difícil de se realizar na prática, como também desnecessário e contraditório por definição.

Precisamos pensar sobre o que é “técnico” ou “político” no âmbito público. A gestão de governos diferencia-se do comando de uma empresa em aspectos fundamentais: trata de bens e serviços públicos, coletivamente financiados e que, em democracias, deve ser submetida à avaliação periódica da população. Ora, é a necessidade de conciliar interesses, de estabelecer acordos e de atender necessidades que diferencia um município, estado ou país de uma empresa. E isso não é uma tarefa técnica. É aqui onde reside o centro da verdadeira política. A decisão sobre que necessidades atender, o que fazer, com quem e como dialogar é sempre política. Além disso, no âmbito das democracias representativas modernas, o comando da máquina pública submete-se a formas de representação diretas ou indiretas da própria população. Não há espaço melhor que o confronto de ideias para desmantelar os erros dos pretensos técnicos. Sob essa perspectiva, não há como optar pela alternativa absoluta de “apenas técnicos” sem incorrer no prejuízo ao próprio bem público desconsiderando a importância da sensibilidade e experiência política para a tomada de decisão, o reconhecimento de necessidades e a realização de negociações de governo.

Por outro lado, é fundamental contar com os melhores quadros técnicos existentes. Não há como ignorar a importância central da profissionalização e especialização no assessoramento e no conhecimento específico e detalhado das várias áreas de políticas públicas e da realidade de cada localidade. Falta ao Brasil fazer um diagnóstico sério de si mesmo, coisa que é uma tarefa técnica, que exige pesquisa e conhecimento. Por mais habilidoso que seja o “político”, sem um bom “técnico” que lhe dê informações e subsídios para decidir corretamente, sua atuação trará ainda maiores prejuízos à sociedade. A Gestão pública somente avança quando é capaz de combinar a excelência de assessores e consultores técnicos à habilidade e sensibilidade de decisores políticos.

Sabendo disso, pode-se afirmar que aumento de cargos não representa necessariamente um problema. Há cargos que estão restritos aos servidores de carreira e há uma dinâmica mutável nos chamados “CCs”. Por exemplo, pesquisa em desenvolvimento no IESP-UERJ relativa aos governos FHC e Lula indica tanto o aumento crescente no número desses cargos durante os dois períodos, maior em Lula, quanto revela que boa parte deles passaram a ser ocupados por servidores de carreira a partir de 2005, o que não ocorria nem no governo FHC. O importante é saber quem ocupa os “CCs” e como exerce suas responsabilidades.

Diversos mecanismos de aperfeiçoamento da Gestão pública merecem atenção: cursos e capacitação nas tarefas administrativas, prestação de serviços e nas áreas específicas de políticas públicas; organização de sistemas de controle interno e externo; avaliações de desempenho; planejamento estratégico, etc. O bom desempenho da burocracia, capaz de auxiliar de forma eficiente e eficaz a atuação dos agentes políticos, tem impacto decisivo no desempenho do governo, seja para a implantação de suas políticas e, especialmente, para o atendimento da população.

Ao final, na falsa alternativa entre “técnicos” e “políticos” é preciso evitar os extremos: de um lado o risco da incompetência; por outro o risco de uma burocracia corporativista e alheia aos interesses sociais que, na verdade, também tem seus interesses próprios. Aperfeiçoar a Administração Pública não é extirpá-la do elemento político (o que é impossível por definição), mas é encontrar o equilíbrio entre funções técnicas e políticas, compondo seus quadros de modo a explorar ao máximo o potencial de cada um.

Publicado na Folha Espumosense em 14 de maio de 2011