domingo, 17 de agosto de 2008

Entre acordos e consensos: a questão das candidaturas únicas

Segue artigo publicado no jornal Folha Espumosense em 02/08/08:

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2008. Ano de eleições municipais. Eleitores de todo o Brasil irão às urnas escolher aqueles que administrarão os municípios e que farão a representação popular nas Câmaras de Vereadores. Antes da escolha efetiva – o momento do voto – os grupos políticos locais apresentam suas opções: eis os candidatos.
Em regra, o momento eleitoral é competitivo. Há pluralidade e disputa (mesmo que os concorrentes possam parecer semelhantes em práticas ou idéias). Ou seja, através das eleições a população pode manifestar suas preferências políticas na escolha de representantes que ocuparão o Executivo e o Legislativo municipal.
Todavia, a exceção também existe. “Chapas únicas” em eleições municipais, com a conseqüente indicação de apenas um candidato ao cargo de Prefeito, não são fatos isolados. Em 2004, isso ocorreu em mais de uma dúzia de municípios brasileiros (inclusive no Rio Grande do Sul) e certamente está se repetindo neste ano.
A ocorrência de candidaturas únicas tira a competitividade das eleições majoritárias, que deixam de ser disputas efetivas para se tornarem homologações populares. Mas como se pode compreender tais acontecimentos? Tratam-se de consensos ou de acordos?
Ambas as noções possuem elementos comuns: ocorrem quando os participantes de uma tomada de decisão optam por um mesmo ponto ou objetivo comum (tendo ou não que ceder posições). A princípio, a existência de consenso efetivo deveria incluir todos os participantes de uma decisão. Aqui, cada um possui poder de veto, se alguém discordar não há consenso pleno. Nesse plano, consenso pode se confundir com unanimidade, ou seja, com o compartilhamento uniforme de certa posição ou ponto de vista. Nesse sentido, o consenso deixa de ser efetivo (ou diminui em grau) se alguma minoria ou alguém diverge, passando a ser entendido, agora, como um acordo. Além disso, é possível compreendê-lo não apenas como resultado, mas como processo de conciliação de posições. Fala-se, então, de construção de consensos.
Porém, ao pensar tais conceitos no campo da política, as diferenciações acentuam-se. Uma delas diz respeito ao tempo: acordos quase sempre são transitórios, da mesma forma que se estabelecem, podem ser desfeitos; já consensos tendem à perpetuidade, uma vez estabelecidos não mais se desmancham, salvo rupturas político-institucionais. Normalmente, consensos são estabelecidos em torno de princípios básicos ou questões fundamentais e com grandes dificuldades. É o caso do estabelecimento das “regras do jogo”, por exemplo, dos aspectos essenciais que orientam os regimes democráticos contemporâneos, como a regra de maioria, os sistemas de representação, a liberdade de opinião e de organização política (e mesmo nesse nível, não raro, sem existir unanimidade e acompanhado de elementos de pressão). Por outro lado, propostas, projetos, plataformas e práticas dificilmente são estabelecidos consensualmente. Isso por uma simples razão: as pessoas pensam de forma diferente e, em democracias liberais, podem manifestar suas diversas opiniões organizando-se politicamente.
A questão adquire ainda outro sentido quando compreendida no âmbito eleitoral. Aqui, consenso aparece como impropriedade conceitual ou figura retórica. Ao se falar, estritamente, em problemas de ordem eleitoral, como a composição de “chapas”, coligações, programas de governo (executivo) ou planos de ação (legislativo), a idéia de posições compartilhadas por todos e por longa duração parece improvável. Sobretudo quando se está em jogo a repartição de poder ou a possibilidade de imprimir a vontade nos atos futuros da administração. O reino da política é o do transitório e do conflito. Consenso – quando compreendido como resultado – e política não combinam.
Então, o que dizer dos municípios em que ocorre “candidatura única”? Não se pode afirmar a existência de consenso, o que há são acordos eleitorais firmados entre os grupos políticos locais. É que os elementos utilizados nas negociações podem fornecer diversas colorações a tais acordos, tentando, inclusive, construir pactos mínimos sobre propostas fundamentais, bem como utilizando o peso retórico da expressão “consenso” na tentativa de obter adesão dos participantes.
Em suma, a maioria esmagadora das tratativas eleitorais está longe de poder ser classificada como consenso, tratam-se de acordos e composições político-partidárias. Mas, se o consenso como resultado está longe de se conciliar plenamente com a política, sua idéia não deve ser afastada de uma visão de futuro. É preciso pensar o consenso como um processo, como uma construção. E, assim, a democracia pode deixar de ser apenas a voz da maioria vencedora para ser um método de decisão que inclui sempre o maior número possível, tornando-a madura e continuamente aperfeiçoada.

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Além dos episódios "pré-eleitorais" que ocorrem no município natal, a atualidade do assunte é demonstrada por recente matéria publicada no jornal Zero Hora. Veja.