sábado, 11 de agosto de 2012

STF e Ideologia: entre as influências da ordem liberal democrática e os desafios da globalização


Nessas últimas duas décadas consolidou-se a democracia no Brasil. Nesse contexto, desnudaram-se crescentemente os atores que nela atuam como protagonistas. Neste livro, observam-se ideias que animam o STF, seja no plano das motivações internas, seja no seu entorno. 

Com o emprego de instrumentos analíticos das Ciências Sociais e do Direito, os autores iluminam os movimentos de uma Corte Excelsa que se (com)prova política. Não se dirige esta obra apenas aos iniciados e/ou interessados no mundo jurídico ou político, mas a todos aqueles que consideram que a excelência do regime democrático dependente tanto da consciência dos cidadãos quanto da existência de instituições independentes e ativas.








Aqui, você pode encomendar exemplares diretamente da editora.
Veja mais sobre o livro em: http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/stf.html 

Sobre os Autores:

HOLGONSI SOARES GONÇALVES SIQUEIRA
Professor Associado do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (PPGCS-UFSM). Doutor em Educação pela UFSM. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq, Globalização e Cidadania.

JÚLIO CANELLO
Advogado e Bacharel em Ciências Sociais. Especialista em Pensamento Político Brasileiro pela UFSM. Mestre em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ e antigo Iuperj). Doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ.

LUCIANA RODRIGUES PENNA
Doutoranda em Ciência Política pela UFRGS e membro do Núcleo de Estudos em Justiça e Poder Político (UFRGS - CNPq). Mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM. Professora da UNIFRA/RS.

REGINALDO TEIXEIRA PEREZ (Org.)
Professor Associado do Departamento de Ciências Sociais da UFSM. Doutor em Ciência Política pelo Iuperj/UCAM.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

“Técnicos” ou “políticos”? uma questão mal colocada

A distribuição de cargos públicos entre aliados políticos é uma das formas mais efetivas de “cimentar” as bases de apoio e obter respaldo no legislativo, mas também tem um preço. A multiplicação dos cargos de livre nomeação ao mesmo tempo em que permite a formação de alianças e a orientação das políticas públicas de acordo com o perfil do governante, traz o risco do ingresso na Administração Pública de pessoal sem a competência necessária para o exercício das atribuições e responsabilidades específicas de cada cargo de acordo com cada área. Surge uma recorrente questão: quem deve ocupar esses cargos, técnicos ou políticos?

Trata-se de uma questão mal colocada, uma falsa alternativa. No fundo, precisamos dos dois, técnicos e políticos, cada um em seu lugar e realizando suas funções próprias. Embora a profissionalização da Administração Pública seja essencial, sustentar que todos os cargos devem ser ocupados apenas por “técnicos” não somente é algo difícil de se realizar na prática, como também desnecessário e contraditório por definição.

Precisamos pensar sobre o que é “técnico” ou “político” no âmbito público. A gestão de governos diferencia-se do comando de uma empresa em aspectos fundamentais: trata de bens e serviços públicos, coletivamente financiados e que, em democracias, deve ser submetida à avaliação periódica da população. Ora, é a necessidade de conciliar interesses, de estabelecer acordos e de atender necessidades que diferencia um município, estado ou país de uma empresa. E isso não é uma tarefa técnica. É aqui onde reside o centro da verdadeira política. A decisão sobre que necessidades atender, o que fazer, com quem e como dialogar é sempre política. Além disso, no âmbito das democracias representativas modernas, o comando da máquina pública submete-se a formas de representação diretas ou indiretas da própria população. Não há espaço melhor que o confronto de ideias para desmantelar os erros dos pretensos técnicos. Sob essa perspectiva, não há como optar pela alternativa absoluta de “apenas técnicos” sem incorrer no prejuízo ao próprio bem público desconsiderando a importância da sensibilidade e experiência política para a tomada de decisão, o reconhecimento de necessidades e a realização de negociações de governo.

Por outro lado, é fundamental contar com os melhores quadros técnicos existentes. Não há como ignorar a importância central da profissionalização e especialização no assessoramento e no conhecimento específico e detalhado das várias áreas de políticas públicas e da realidade de cada localidade. Falta ao Brasil fazer um diagnóstico sério de si mesmo, coisa que é uma tarefa técnica, que exige pesquisa e conhecimento. Por mais habilidoso que seja o “político”, sem um bom “técnico” que lhe dê informações e subsídios para decidir corretamente, sua atuação trará ainda maiores prejuízos à sociedade. A Gestão pública somente avança quando é capaz de combinar a excelência de assessores e consultores técnicos à habilidade e sensibilidade de decisores políticos.

Sabendo disso, pode-se afirmar que aumento de cargos não representa necessariamente um problema. Há cargos que estão restritos aos servidores de carreira e há uma dinâmica mutável nos chamados “CCs”. Por exemplo, pesquisa em desenvolvimento no IESP-UERJ relativa aos governos FHC e Lula indica tanto o aumento crescente no número desses cargos durante os dois períodos, maior em Lula, quanto revela que boa parte deles passaram a ser ocupados por servidores de carreira a partir de 2005, o que não ocorria nem no governo FHC. O importante é saber quem ocupa os “CCs” e como exerce suas responsabilidades.

Diversos mecanismos de aperfeiçoamento da Gestão pública merecem atenção: cursos e capacitação nas tarefas administrativas, prestação de serviços e nas áreas específicas de políticas públicas; organização de sistemas de controle interno e externo; avaliações de desempenho; planejamento estratégico, etc. O bom desempenho da burocracia, capaz de auxiliar de forma eficiente e eficaz a atuação dos agentes políticos, tem impacto decisivo no desempenho do governo, seja para a implantação de suas políticas e, especialmente, para o atendimento da população.

Ao final, na falsa alternativa entre “técnicos” e “políticos” é preciso evitar os extremos: de um lado o risco da incompetência; por outro o risco de uma burocracia corporativista e alheia aos interesses sociais que, na verdade, também tem seus interesses próprios. Aperfeiçoar a Administração Pública não é extirpá-la do elemento político (o que é impossível por definição), mas é encontrar o equilíbrio entre funções técnicas e políticas, compondo seus quadros de modo a explorar ao máximo o potencial de cada um.

Publicado na Folha Espumosense em 14 de maio de 2011


terça-feira, 12 de abril de 2011

Judiciário e política: o caso do “ficha limpa”

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação da lei da “ficha limpa” para as eleições de 2010 escancarou o que alguns juízes, promotores e advogados ainda insistem em negar: a relação indissociável entre direito e política. Para entender como funciona a política brasileira, não basta observar governos, partidos, assembléias ou eleições. O judiciário também é uma peça fundamental. A Ciência Política tem dedicado crescente atenção à chamada “judicialização da política”. Simplificando, trata-se de fenômenos que incluem tanto o uso de práticas jurídicas para se fazer política, quanto a promoção de ações judiciais para contestar decisões. Nisso se examina desde ações relativas à distribuição de medicamentos, à instalação de CPIs e procedimentos do legislativo, chegando a casos sobre a validade das leis. Essa última discussão é travada especialmente no Supremo Tribunal Federal. Além disso, quando a lei em questão trata sobre eleições, partidos, representantes, governos, etc, qualquer decisão terá efeitos e motivação necessariamente políticos.

O caso da “ficha limpa” é ilustrativo para se analisar as motivações e efeitos políticos das decisões judiciais. Qualquer que fosse a posição do Supremo, o resultado final das eleições passadas seria distinto. Uns candidatos e não outros passariam a ocupar cargos eletivos. Caso a lei valesse para 2010, não apenas muitos candidatos estariam inelegíveis, mas também o voto de uma parcela da população seria virtualmente desconsiderado. Porém, o STF decidiu que ela será aplicada apenas nas próximas eleições, o que permite o ingresso de políticos de moralidade e comportamento duvidosos, muitos já condenados judicialmente por órgãos colegiados, por exemplo.

Quanto aos efeitos, a importância política da decisão é evidente. Suas implicações ultrapassam esta ou aquela eleição e conferem um sentido à expressão do voto popular. Embora a maioria da opinião pública tenha louvado a lei da “ficha limpa”, entendida como uma tentativa de promover a ética na política, ela, na verdade, também traduz uma vontade de restringir a manifestação popular, transferindo a responsabilidade da escolha. Por meio dela, confirma-se o ditado de que “brasileiro não sabe votar”, reconhecendo-se duas categorias de eleitores, aqueles cujo voto é válido e aqueles cujo voto será descartado por lei. Essa vontade de tutelar o voto que cria dois tipos de eleitores tem muito pouco de democrática, contradizendo a retórica daqueles que defenderam a lei por conta dos “anseios da população”, mas que, ao fim e ao cabo, preferem não falar em povo e desconfiam da opinião popular.

Por outro lado, apesar de alguns comentaristas sustentarem que a decisão tenha sido “técnica”, é bom lembrar que as questões “técnicas” do Supremo são, na maioria das vezes, temas essencialmente políticos. O argumento “jurídico” também é político. O propósito do STF existir é defender a Constituição. E ela também traduz ideais liberais, como a proteção aos direitos individuais, incluindo a livre escolha de representantes e o direito de se candidatar. Por isso as leis que mudam o funcionamento das eleições devem ser editadas um ano antes do pleito. A intenção é impedir que maiorias momentâneas e apaixonadas modifiquem o processo eleitoral pouco antes dele acontecer. O receio do Supremo foi de que a aplicação da lei do “ficha limpa” funcionasse como um precedente que colocasse em risco essa segurança jurídica liberal e democrática, permitindo violações ao direito das minorias e do indivíduo (a menor minoria). Nessa perspectiva, a defesa da Constituição também é uma tarefa conservadora. Mas, aqui, a decisão do “ficha limpa” carrega uma sutileza. Embora pareça se contrapor a uma iniciativa de lei popular e que pretende contribuir para “moralizar” a política, a decisão também não deixa de ser democrática, pois acaba por aceitar o voto de uma parcela da população que seria verdadeiramente descartado; uma parcela de votantes que, curiosamente, é maior do que aquela que deu seu apoio assinando o projeto.

Ao fim, para além da relação entre direito e política que essa decisão indica, é possível tirar uma última lição do episódio. O que aconteceu com a lei "ficha limpa" deve ter um efeito pedagógico, alertando-nos sobre a pobreza de nosso espírito democrático e a falsidade das soluções fáceis. Mais do que criar impedimentos legais, é preciso derrotar os "fichas sujas" no voto. Para isso, é preciso dar condições para que a população possa decidir com base em critérios razoáveis; não lhe negando o direito ao voto, mas a capacitando para o exercício da decisão política que busque o bem público e a melhoria de suas comunidades.

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Publicado no jornal "Folha Espumosense" em 09/04/2011.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O cimento das bases de apoio

"Governar, no Brasil, é formar coalizões."

Certamente, você já ouviu mais de uma crítica à repartição de cargos públicos entre os partidos politicos e aliados (especialmente os “cargos de confiança”). Isso ocorre nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Trata-se de uma solução dada a um dos problemas básicos da governabilidade: a obtenção e manutenção de apoio por parte dos governantes. Mas, porque isso acontece? Que outros métodos os governos dispõem para obter apoio? Qual é o "cimento" das bases de apoio governamental?

Primeiro, precisamos entender o que é um governo de coalizão. Nas democracias contemporâneas, a atividade de governo compreende dois conjuntos de tarefas: as executivas (essencialmente, obras e serviços públicos) e as legislativas (elaborar e modificar as leis). Nos paises presidencialistas, via de regra, os chefes do executivo (prefeito, governador e presidente) são escolhidos independentemente da escolha dos representantes que elaboram as leis (deputados, senadores e vereadores). O decisivo é que as tarefas executivas acontecem nos contornos de uma legislação e, muitas vezes, é preciso modificá-la para implantar propostas. O executivo precisa do legislativo para governar.

Quando o partido do governante não tiver maioria no parlamento, precisará buscar apoio e estabelecer alianças; no jargão da Ciência Política, formar coalizões. Para que elas existam, basta a necessidade de modificar leis para governar e a inexistência de partido que eleja o chefe do executivo e a maioria dos legisladores ao mesmo tempo. Esse tem sido o caso brasileiro. Governar, no Brasil, é formar coalizões. Essa constatação ultrapassa o âmbito federal, ocorrendo nos estados e em boa parte dos municípios, especialmente quando há vários partidos com força. Em tais contextos, governos minoritários normalmente enfrentam problemas, como a história recente tem dado prova. Nacionalmente, o caso de Collor foi exemplar, redundando na queda do presidente. Mesmo em nosso estado, a gestão de Olívio Dutra foi representativa dos obstáculos impostos a uma minoria legislativa.

Seria possível dizer que a distribuição de cargos é necessária para garantir apoio e governar? Sim, mas somente até certo ponto. A necessidade de maioria está relacionada à disputa legislativa, quando o governo apresenta suas propostas na forma de projetos de lei. Pessoas pensam de maneira semelhante ou diferente sobre coisas distintas, ora concordando, ora divergindo. Com as forças políticas e os partidos ocorre o mesmo. Eventualmente, um projeto pode receber o apoio sincero de uma maioria. Mas isso não é usual; a regra é o desacordo. E mais: para que o governo atue com regularidade, o apoio deve ser sistemático. Nessas condições, é preciso negociar. O apoio político será oferecido por partidos, grupos e parlamentares na medida em que estes tenham a expectativa de obter ganhos para suas ambições políticas. Simplificando a Ciência Política, existem três objetivos básicos da atuação do político profissional: implantar políticas, angariar votos e obter cargos. É por meio do voto que se alcança o governo e se pode implantar uma política. É implantando boas políticas que se continua a obter votos e permanecer no cargo. É através dos cargos que se pode executar a política para angarias votos.

Na busca de apoio, o executivo dispõe de meios para implantar políticas ou oferecer cargos. Assim, pode negociar os termos de sua proposta para agradar grupos de apoiadores ou mesmo executar políticas específicas, sendo o caso mais exemplar a distribuição de recursos e a realização de obras através de emendas parlamentares. Finalmente, pode designar apoiadores de partidos aliados para ocupar cargos e funções de livre nomeação. Ou seja, a distribuição de cargos é uma ferramenta importante para a obtenção de apoio, mas não é a única. Embora nada obrigue sua prática, não se pode esperar que ela venha a terminar tão cedo, mesmo com boas “reformas políticas”, uma vez que tem se mostrado um dos melhores "cimentos" para a manutenção de coalizões. E sempre é bom lembrar que cada grupo tem suas próprias ambições políticas, suas ideias e suas particulares perspectivas de conquistar posições de poder. Como os fatos políticos recentes de nossos pagos parecem atestar, as alianças que um dia ajudaram podem vir a atrapalhar; adversários de hoje podem se tornar aliados de amanhã.

Porém, o "cimento" tem seu preço; nenhum desses métodos está isento de custos. A distribuição de cargos, a repartição de recursos e a concessão de políticas têm implicações para a representação e para a eficiência governativa. Por um lado, ao se negociarem os termos das propostas, os governos acabam alinhando seus projetos a uma maioria, o que pode favorecer a busca de consensos. Ao inverso, negociações demoradas são dispendiosas e prejudicam a eficiência dos governos. Na medida em que a distribuição de cargos e recursos desloca a obtenção de apoio do debate de propostas, tais métodos deixam em segundo plano a posição dos grupos em torno das políticas. Apesar disso tornar algumas decisões mais rápidas, a representação pode restar prejudicada. Sem contar que os custos de tais operações põem em duvida a própria eficiência governativa. Isso porque, quando se trata de emendas parlamentares ou de cargos públicos, tais custos são valores financeiros reais, dinheiro do orçamento público, financiado pela própria sociedade. Além do que, em muitos casos, as “nomeações políticas” acabam levando pessoas sem a competência técnica necessária ao exercício das funções essenciais para a população.

Independente do material que se utilize para "levantar a obra", sempre há um preço a pagar, seja no tempo, nos projetos ou em dinheiro mesmo. Ao menos seria importante que a construção fosse bem realizada e seu resultado bem acabado, sem buracos, rachaduras ou com riscos de cair.

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Artigo publicado na Folha Espumosense em 19/03/2011.


sábado, 8 de janeiro de 2011

Cartéis partidários e informação assimétrica em legislativos estaduais: os procedimentos de urgência no caso do Rio Grande do Sul (1999-2006)

Parcos e nobres leitores,

Considerando que meu trabalho de mestrado já está sendo comentado em metrópoles e rincões, dou-lhes um breve gostinho: seu resumo.

O presente trabalho examina as razões dos procedimentos de urgência nos projetos do Executivo junto à Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul entre 1999-2006. Para tal, o texto discute os fundamentos e algumas implicações de teorias sobre a organização legislativa, especialmente as vertentes partidária e informacional, situando, primeiramente, o debate sobre a política regional gaúcha e as relações Executivo-Legislativo no âmbito subnacional brasileiro. O objetivo do estudo é analisar a rationale dos procedimentos de urgência utilizados pelo Governador, unilateralmente, e pelo próprio Legislativo, através de seu Colégio de Líderes, para acelerar a tramitação dos projetos do Executivo, retirando a matéria das Comissões permanentes antes da aprovação de parecer. Empiricamente, a pesquisa investiga se a presença de cartéis legislativos e a distância das preferências do Governo em relação às do mediano do Plenário da Assembléia têm efeitos sobre as chances de utilização de tais procedimentos. Assim, avalia a possibilidade de conjugação da teoria partidária com problemas informacionais para a análise do processo decisório legislativo no âmbito subnacional. O exame conclui que tanto a urgência governamental quanto o acordo de lideranças possuem padrões distintos apresentando resultados diversos que dependem do tamanho das forças políticas e da distribuição de preferências, figurando as instituições como fatores intervenientes, de modo que tais procedimentos obedecem a uma lógica partidária, mas colocada diante de problemas informacionais.

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Resta apenas concluir o apêndice ao texto definitivo que será disponibilizado através da UERJ / IESP-UERJ (antigo IUPERJ).

Se as condições objetivas permitirem, tentarei publicar um artigo a partir dele, tal qual recomendado pela banca examinadora.

domingo, 23 de agosto de 2009

Górgias, Elogio de Helena

Motivado por leituras correntes, transcrevo trecho de uma tradução do texto.

O central: o discurso, a retórica e a linguagem.

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Se foi o discurso que o persuadiu e enganou a alma, nem diante disso é difícil fazer a defesa e desfazer a acusação, assim: o discurso é um grande soberano, que com o mais diminuto e inaparente corpo as mais divinas obras executa; pois ele pode cessar o medo, arrancar a tristeza, suscitar a alegria e aumentar a compaixão. E isto como é que se dá eu mostrarei: é preciso também por opinião mostrar aos ouvintes: toda poesia eu considero e denomino um discurso que tem metro: nos que a escutam penetra um calafrio de terror, uma compaixão lacrimosa, um pesar comprazido; e diante das ações e dos corpos alheios, com boa sorte e os reveses, um sofrimento que é próprio, por meio das palavras, a alma sofre. Ora vamos! Que eu mude de um discurso para o outro. Os encantamentos inspirados divinamente, por meio das palavras, movem o prazer, removem a dor; conformando-se com a opinião da alma, o poder do encantamento a seduz, persuade e transforma essa alma pelo enfeitiçamento. De enfeitiçamento e magia duas técnicas se encontraram, que são erros da alma e ilusões da opinião. Quanto a quantos persuadiram e persuadem, sobre quanta coisa, um falso discurso modelando! Se com efeito sobre todas as coisas todos tivessem memória das passadas < visões >, das presentes e previsão das futuras, não seria semelhante o discurso para aqueles aos quais agora, o discurso enganaria. De fato porém, nem para recordar o passado, nem para examinar o presente, nem para adivinhar o futuro tem bom caminho; de maneira que, sobre o maior número de casos a maioria tem a opinião como conselheira presente da alma. Mas a opinião, escorregadia e instável, em escorregadios e instáveis desencontros arremessa os que dela se servem. Então, que causa impede que também a Helena hinos tenham encantado semelhantemente, embora não sendo jovem, como se por força dos violentos tivesse sido raptada? O efeito da persuasão domina, mas a mente, embora não tenha a forma da necessidade, tem o mesmo poder. Pois o discurso que persuadiu a alma, a que ela persuadiu, força-a a se confiar no que é dito e a aprovar o que é feito. Quem portanto persuade, pelo fato de forçar, comete injustiça, mas a alma persuadida, enquanto forçada pelo discurso, sem razão tem má reputação. Que a persuasão, associando-se ao discurso, forja a alma como quer, deve-se primeiro aprender os discursos dos meteorologistas, os quais, opinião contra opinião, ora tirando uma, ora suscitando outra, fazem que o incrível e obscuro se evidenciem aos olhos da opinião; em segundo lugar, os inevitáveis debates, por meio dos discursos, nos quais um só discurso muita gente deleita e persuade, com técnica é escrito, não com verdade proferido; em terceiro lugar, as disputas de discursos filosóficos, nas quais se mostra inclusive a rapidez do pensar, que faz mutável a crença da opinião. A mesma palavra tem o poder do discurso perante a disposição da alma e a disposição dos remédios para a natureza dos corpos. Com efeito, como os diferentes remédios expulsam diferentes humores do corpo, e uns cessam a doença, outros a vida, assim os discursos, uns afligem, outros deleitam, outros atemorizam, outros dispõem os ouvintes à confiança, e outros por meio de uma persuasão maligna envenenam e enfeitiçam a alma.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Fernando Gil, crença e alucinação

Da obra "A Convicção":

“A crença no real não é uma ilusão mas é alucinatória. Nós cremos no mundo e no eu sem esperar justificação nem confirmação, a aparente auto-suficiência da sua realidade dispensa verificação.”

domingo, 10 de maio de 2009

Arquitetura da Destruição

Uma obra prima de Peter Cohen.

Atenção especial à dimensão "estética" do nazismo.

Segue a primeira parte do documentário (em inglês)


Abaixo, outra versão mais "enxuta" (essa com legenda).



*Há uma edição recente em DVD no Brasil. É da USA Filmes, o volume 15 da Coleção II Guerra Mundial. Bom preço.

sábado, 1 de novembro de 2008

Terceira incursão: o fato e a força

Pela força, o fato subverte a norma.

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Nelson Hungria no Caso Café Filho:

Afastando “o manto diáfano da fantasia sobre a nudez rude da verdade”, a resolução do Congresso não foi senão a constatação da impossibilidade material em que se acha o Sr. Café Filho, de reassumir a presidência da República, em face da imposição dos tanques e baionetas do Exército, que estão acima das leis, da Constituição e, portanto, do Supremo Tribunal Federal...
(...)
Contra uma insurreição pelas armas, coroada de êxito, somente valerá uma contra-insurreição com maior força. E esta, positivamente, não pode ser feita pelo Supremo Tribunal, posto que este não iria cometer a ingenuidade de, numa inócua declaração de princípios, expedir mandado para cessar a insurreição.

domingo, 17 de agosto de 2008

Entre acordos e consensos: a questão das candidaturas únicas

Segue artigo publicado no jornal Folha Espumosense em 02/08/08:

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2008. Ano de eleições municipais. Eleitores de todo o Brasil irão às urnas escolher aqueles que administrarão os municípios e que farão a representação popular nas Câmaras de Vereadores. Antes da escolha efetiva – o momento do voto – os grupos políticos locais apresentam suas opções: eis os candidatos.
Em regra, o momento eleitoral é competitivo. Há pluralidade e disputa (mesmo que os concorrentes possam parecer semelhantes em práticas ou idéias). Ou seja, através das eleições a população pode manifestar suas preferências políticas na escolha de representantes que ocuparão o Executivo e o Legislativo municipal.
Todavia, a exceção também existe. “Chapas únicas” em eleições municipais, com a conseqüente indicação de apenas um candidato ao cargo de Prefeito, não são fatos isolados. Em 2004, isso ocorreu em mais de uma dúzia de municípios brasileiros (inclusive no Rio Grande do Sul) e certamente está se repetindo neste ano.
A ocorrência de candidaturas únicas tira a competitividade das eleições majoritárias, que deixam de ser disputas efetivas para se tornarem homologações populares. Mas como se pode compreender tais acontecimentos? Tratam-se de consensos ou de acordos?
Ambas as noções possuem elementos comuns: ocorrem quando os participantes de uma tomada de decisão optam por um mesmo ponto ou objetivo comum (tendo ou não que ceder posições). A princípio, a existência de consenso efetivo deveria incluir todos os participantes de uma decisão. Aqui, cada um possui poder de veto, se alguém discordar não há consenso pleno. Nesse plano, consenso pode se confundir com unanimidade, ou seja, com o compartilhamento uniforme de certa posição ou ponto de vista. Nesse sentido, o consenso deixa de ser efetivo (ou diminui em grau) se alguma minoria ou alguém diverge, passando a ser entendido, agora, como um acordo. Além disso, é possível compreendê-lo não apenas como resultado, mas como processo de conciliação de posições. Fala-se, então, de construção de consensos.
Porém, ao pensar tais conceitos no campo da política, as diferenciações acentuam-se. Uma delas diz respeito ao tempo: acordos quase sempre são transitórios, da mesma forma que se estabelecem, podem ser desfeitos; já consensos tendem à perpetuidade, uma vez estabelecidos não mais se desmancham, salvo rupturas político-institucionais. Normalmente, consensos são estabelecidos em torno de princípios básicos ou questões fundamentais e com grandes dificuldades. É o caso do estabelecimento das “regras do jogo”, por exemplo, dos aspectos essenciais que orientam os regimes democráticos contemporâneos, como a regra de maioria, os sistemas de representação, a liberdade de opinião e de organização política (e mesmo nesse nível, não raro, sem existir unanimidade e acompanhado de elementos de pressão). Por outro lado, propostas, projetos, plataformas e práticas dificilmente são estabelecidos consensualmente. Isso por uma simples razão: as pessoas pensam de forma diferente e, em democracias liberais, podem manifestar suas diversas opiniões organizando-se politicamente.
A questão adquire ainda outro sentido quando compreendida no âmbito eleitoral. Aqui, consenso aparece como impropriedade conceitual ou figura retórica. Ao se falar, estritamente, em problemas de ordem eleitoral, como a composição de “chapas”, coligações, programas de governo (executivo) ou planos de ação (legislativo), a idéia de posições compartilhadas por todos e por longa duração parece improvável. Sobretudo quando se está em jogo a repartição de poder ou a possibilidade de imprimir a vontade nos atos futuros da administração. O reino da política é o do transitório e do conflito. Consenso – quando compreendido como resultado – e política não combinam.
Então, o que dizer dos municípios em que ocorre “candidatura única”? Não se pode afirmar a existência de consenso, o que há são acordos eleitorais firmados entre os grupos políticos locais. É que os elementos utilizados nas negociações podem fornecer diversas colorações a tais acordos, tentando, inclusive, construir pactos mínimos sobre propostas fundamentais, bem como utilizando o peso retórico da expressão “consenso” na tentativa de obter adesão dos participantes.
Em suma, a maioria esmagadora das tratativas eleitorais está longe de poder ser classificada como consenso, tratam-se de acordos e composições político-partidárias. Mas, se o consenso como resultado está longe de se conciliar plenamente com a política, sua idéia não deve ser afastada de uma visão de futuro. É preciso pensar o consenso como um processo, como uma construção. E, assim, a democracia pode deixar de ser apenas a voz da maioria vencedora para ser um método de decisão que inclui sempre o maior número possível, tornando-a madura e continuamente aperfeiçoada.

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Além dos episódios "pré-eleitorais" que ocorrem no município natal, a atualidade do assunte é demonstrada por recente matéria publicada no jornal Zero Hora. Veja.